quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Hallowen

Tudo começou na Irlanda. Fazer jus ao costume no  All hallow´s day eve (vespera dia de todos os santos). Dia para onde a tradição remetia a que os mortos voltavam, sobe forma de fantasmas, aos seus sítios habituais em vida.  Não é por acaso que a noite do Hallowen é também véspera do dia dos defuntos. A lenda celta foi depois espalhada por emigrantes pelo U.K e pelos os E.U.A onde, espantosamente origina actualmente uma facturação de milhões de dólares por ano. Raios e coriscos. Sustos e medo. O mal espreita.


A abóbora. Reparando no buraco de uma abóbora. Daqueles  que se têm de fazer para nela colocar a luz e ficar uma cara feia. Observando o que se vê. E o que não se vê também. De facto continua a ver-se a abóbora. E a ausência nela também. O buraco é feito de quê? Ora, de nada claro. O buraco é falta de abóbora.  Buraco, cova, orifício, são, se quisermos, alguns dos muitos nomes se podem dar ao vazio. Há ausência de substância.

O mal. O mal é o buraco. E existe? Não. Não existe. A pergunta até está mal feita. Responder-se-ia “sim” se a pergunta fosse: E não existe? Sim. Sim, não existe.
O mal em si não existe. O mal é ausência de existência. De Ser. De Bem. Assim como o desamor é ausência de Amor.  É des-criação. É lacuna.
É por isso que o pecado é des-criação, pois é encravar o que em nós está a ser criado. É por isso que o perdão é re-criação, pois é restituir há falta de amor, o amor que lhe falta para Ser. O perdão é a expiração de Deus.

“«O Mal indica a pessoa de Satanás (opositor) que se opõe a Deus e que é «o sedutor de toda a terra» (Ap 12, 9). A vitória sobre o diabo (Dia-bo-lo =divisor ≠ Sim-bo-lo = unificador) já foi alcançada por Cristo. Mas nós pedimos para que a família humana seja libertada do demónio. (demo = energia, habitualmente associada ao mal, mas não só) Catec. Igreja Católica 597. O tentador. O tentador vive da aparência. Tenta ser aquilo que não é. É por isso o pai da mentira.

Satanás, diabo, demónio, tentador, são pois, se quisermos, alguns dos muitos nomes quese podem dar ao que é responsável do vazio. Há ausência de substância.
Vazio de Bem. De Amor.  Ausência de Ser. Divisão, oposição ao bem, energia negativa associada ao mal. Levam ao mesmo, são um mesmo, que não existe. Por terem uma lacuna no Ser. 
“A nossa (do diabo e do seu sobrinho) causa, nunca está tanto em perigo como quando um humano, já sem o desejo, mas ainda com a intenção de cumprir a vontade do nosso Inimigo (Deus), olha em volta para um Universo de onde parece ter desaparecido qualquer vestígio Seu (Deus), e pergunta porque foi abandonado, e mesmo assim obedece.”(Vorazmente teu, p. 45)

O mal não é por isso criado, pelo Criador. O Criador cria o que existe. Não consegue criar o que não existe. “Cria liberdades. Capazes de se criarem a si mesmas” (Varillon). Porque Ele É, simplesmente. A abóbora é o Bem. É o Amor. Não existe não-abóbora. Existe sim ausência  de abóbora. Para voltar a ser abóbora precisa-se adicionar, mais abóbora. Aí o mal “passa” a Bem. É por isso preciso o criador todo poderoso. Que é Deus. Para re-criar como a substância do amor onde falta amor. É o perdão. A maior das graças. A graça por excelência.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

As melgas

A verdade é quase como as melgas. Porque será que a verdade nos incomoda? Porque nos provoca. Porque nos faz antever um desinstalar.  Porque produzirá em nós algo que não é nosso. Que não nos convém. Porque nos desafia. É irrequieta. Porque nos aponta sempre para a maturidade. Porque só descansa quando for plena. Quando for tudo em todos. Quando repousar sobre nós. Quando for tudo em nós, somos a paz em pessoa. Mete-se connosco. A verdade é um grande desafio. O Senhor é a verdade.

E quando as melgas vêm de noite? Pusemos o repelente mas elas aí estão em todo o seu esplendor. Tentamos dormir e ela zumbe-nos aos ouvidos. Ou a matamos ou abrimos a janela para que ela voe. Correndo o risco de aí entrarem mais melgas. Assim é na noite da vida. A verdade ronda-nos, desperta-nos do sono. Tem um barulho irritante.  Vai-nos fazer levantar e acender a luz. Sim. A luz. A luz é necessária para descobrir a verdade. Quem tem sede de verdade bem se pode preparar para ser nómada. E de certa forma tornámo-nos muito sedentários. Habituámo-nos demasiado às coisas. Às vezes, até às melgas. Não damos a oportunidade ao nosso coração de se espantar. Como diz o papa Bento XVI “ninguém possui a verdade. A verdade é que nos possui.” Quase apetece dizer: ninguém pica as melgas. As melgas é que nos picam. A verdade, essa melga.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O espelho



“Espelho meu, espelho meu: há alguém mais belo do que eu?”
Demoramo-nos demasiado ao espelho. Penteamo-nos, fazemos a barba, pintamo-nos. A origem do desamor deve-se ao espelho. Ou melhor, no que nele queremos ver reflectido. Tudo por causa da invenção do espelho. O espelho foi inventado pelo Diabo, por Lúcifer, por Satanás, por Narciso. O mesmo é dizer que foi inventado pela divisão, pelo que é rebelde, pelo que é a oposição ao amor, pelo egoísmo. O espelho é constantemente mal usado. Só nos queremos ver a nós nesse espelho.  Nem falo do que é de vidro. Mas de tudo o que reflecte. A existência de um espelho é a oportunidade de um retorno de nós mesmos. Retorno sobre nós mesmos é o desamor. É a contemplação, o endeusamento de nós próprios. É fitarmo-nos ao espelho em tudo o que fazemos. É esperar vermo-nos de novo em tudo o que pensamos e geramos.

O Amor é a ausência de espelho. É a ausência de retorno sobre si mesmo. O desamor é o egoísmo do espelho. O egoísmo só admite um movimento, de fora para dentro, de lá para cá. Só dá na medida em que souber que terá um retorno, no mínimo semelhante. É por isso que o amor é desinteressado. Desinteressado positivamente em si. Porque só está interessado no outro. Na verdade, só há amor próprio quando se é capaz de amar um outro que não eu. 



 
“Espelho meu, espelho meu: haverá alguém mais bonito do que tu?”
Deus não se demora ao espelho. Não o tem. Partiu-o. Nunca o utilizou nem nunca o utilizará. Não se penteia, não faz a barba, não se pinta. Não se contempla a si mesmo. O que tem graça, pois o reflexo do Pai, é Ele próprio, mas que é outro, Jesus. E vice-versa. O pai reflecte o filho. O filho reflecte o Pai.  São o mesmo, e são reflexos de um outro. Vivem um para o outro e não chegam a olhar sobre si. Estão longe de si próprios. Muito longe. É por isso curioso ler “quem Me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). Jesus não diz: Quem Me vê, vê Jesus. O mesmo diria o Pai: Quem Me vê, vê o Filho.

O espelho não serve para o  amor. Não tem função. Ainda que haja reflexo. Que exercício desafiante este de nos olharmos ao espelho e só conseguirmos ver outro que não nós. Ainda que não pareça à primeira vista, em nós, a pura felicidade, a felicidade eterna, acontece  quando ao espelho vemos um outro, quando há ausência de retorno sobre nós mesmos.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pórtico

Contava-me uma mãe a surpresa que fizera ao filho aquando do seu aniversário. Houve durante algum tempo algumas pistas que foram dadas ao menino, acerca desta surpresa, mas ele nunca chegou perto do que poderia ser. Chegou até a dizer-se que, dadas as dificuldades, este ano não poderia ter uma festa de anos como estava habituado. Em casa com os amigos. Contudo a promessa de que iria ter um presente inesquecível ainda estava de pé. Chegado o dia do aniversário, a mãe acordou o pequeno a meio da noite. “Às três da manhã”, dizia. Acordado de rompante, não percebeu nada do que estava a acontecer. Queria voltar a dormir. Mas quando a mãe disse: a tua surpresa começa agora, a criança arregalou os olhos e deu um salto da cama. “Vamos, levanta-te, temos que ir” disse a mãe com ternura. Foram até ao aeroporto. Tinham um avião para apanhar. Destino: Paris. O rebento só percebeu que um sonho seu estava prestes a concretizar-se quando leu num pórtico: EuroDisney.
Deu pulos de alegria. Era o pórtico da esperança, do sonho, da vida. Estava profundamente agradecido.


A fé é isto. Quanta fé tinha o filho nos seus pais. Quanta confiança. Quando há relação. Quando há amor. Esta história dá que pensar.  No fundo revela-nos como se é no reino dos céus. “Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” Mt 18, 3. Acordou do seu sono. Acordou para a vida. O amor alterou os seu planos. Afinal de contas não poderia comemorar o seu aniversário como de costume. Era a visão possível da sua felicidade. A terra prometida esperava-o. A melhor está sempre em devir. A voz da sua referencia de amor chamara-o. “Levanta-te!” Sem mais perguntas correspondeu ao apelo. “Seguir-te-ei para onde quer que vás”Lc 9, 57. Confiarmo-nos ao Santo e todo poderoso em Amor, é fazermos a experiência de chegarmos ao pórtico da vida eterna. Participar na vida de Deus. Desde já. A fé leva-nos ao pórtico da esperança, do sonho, da vida. Entremos. Assim como o menino entrou pela mão de sua mãe, pela EuroDisney dentro. Imagina-se só o que aconteceu depois...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Não

É preciso saber dizer não, por equilíbrio. Não se trata de excluir. Trata-se de incluir pela via do pressuposto de que há algo que precisa ser mais desenvolvido ainda. É por isso uma negação com vista à promoção. Um não também faz crescer. Define prioridades. Esclarece papeis. Quantas vezes um não pode ser um acto de amor. Pode ser espaço que se abre para o crescimento do outro, de nós mesmos. Saber dizer não é ter por sabidas as prioridades.



Pode até porventura ser mais exigente. Revela maturidade quando tem em vista um propósito maior do que à primeira vista é apresentado. Um não pode ser educativo também. Dizer sempre sim, pode ser perigosíssimo. Acolher é assumir o que se recebe. O que é proposto, o que é dado. Pode-se por isso receber e não acolher. Não assumir o que é proposto, o que é dado. Nem sempre o sim é a melhor forma de acolhimento. Dizer não por equilíbrio, é por isso ter como horizonte o bem maior. É uma posição positiva acerca do que é ainda insuficiente. Do que não é ainda prioridade. É uma oportunidade que remete à erudição.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Gratidão



A gratidão é a porta de todas as graças. Podemos entrar pela porta da inteligência, pela porta da coragem, da frustração, do entendimento, por tantas portas podemos entrar.  Mas a gratidão é que é  a porta de todas as graças. Um olhar agradecido é um olhar que devolve à realidade todo o seu esplendor de beleza. A memória é necessária. A ingratidão é o cumulo da falta de memória. O egoísmo é o cumulo do esquecimento. Fazendo memória de tudo quanto nos é concedido é tornar  presente que o essencial é-nos oferecido gratuitamente. A começar pela própria vida. A gratidão purifica-nos o olhar. É, se quisermos, um beijo na esperança.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Paz


Paz. O que nos cansa é a divisão. O que nos descansa é a unidade. É sentirmo-nos amados. É podermos ser o que somos, inteiros, sem máscaras. Quando amados, sentimo-nos unificados por dentro. Podemos ser nós. O caos é o oposto da paz. É por isso que o pecado nos tira a paz. O pecado é falta de amor. O perdão restitui ao pecado essa insuficiência de amor. É por isso que o perdão promove a paz. Aquilo que em nós está por resolver, os assuntos que deixamos pendentes, acabam por não nos deixar em paz. Porquê? Porque neles estamos divididos. Porque neles ainda falta amor. A paz é unidade, a humildade e a justiça. O mesmo é dizer que é a verdade. Só numa dinâmica de paz se é livre. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

i/maturidade

O Senhor imaniza-nos sempre para a maturidade. E o que nos custa, o que dói, o que porventura nos faz sofrer, o que provavelmente não conseguimos digerir, deve-se à nossa ainda imaturidade. É o grito natal. Sinal de vida, onde curiosamente, quanto mais maduros, mais felizes, mais criadores, mais Humanos, mais Deus, somos. A Verdade não se contradiz. A chave capta-se em Cristo, onde “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência.” (Cl 2, 3), o principio e o fim da razão. Método humano que nos leva por nós mesmos a atingir um pedaço da Verdade, do que é mistério, do que é do âmbito da fé. Mas eis que a fé é também conhecimento. A fé é o estado esclarecido da razão. Assim, nesta experiência anfíbia entre fé e razão podemos nós encontrar meios para nos divinizarmos. Tornarmo-nos no próprio Deus. Sim. Tornarmo-nos no próprio Deus. Não se trata de sermos Deus, mas de nos tornarmos cada vez mais semelhantes a Ele.


Da passagem do nada à vida, fazemos a nossa primeira experiência de transmaturidade. Daí em diante, toda a vida é processo de maturação. Amadurecer é tornarmo-nos no próprio Deus. Tornarmo-nos no próprio Deus é amarmos cada vez mais como Deus ama. Esta é se quisermos a grande recompensa das bem-aventuranças. “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 12). A grande recompensa prometida a cada hora por Jesus, o Cristo, não é se não amar como Deus ama. Amar como Deus ama é perdoar como Deus perdoa, é gerar vida como Deus gera, é apagar-se para que outro ser possa Ser.
Deixar-se amadurecer é querer existir.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Imagem e Semelhança

Gostaria Senhor de falar da Tua grandeza, de forma simples, sem pertença, sem ferir o que és. Mais fácil seria dizer o que não és. Porque tu não és senão Amor. O mistério maior do tudo que ao mesmo tempo é nada. Amor infinito, que “apenas” cria liberdades. Liberdades capazes de se criarem a si mesmas. A Tua felicidade é não teres espelho, pois não te contemplas a Ti mesmo. Não tens retorno e não o pretendes em nada do que crias, pois a Tua substância é dádiva e não receptividade.

Não obstante, toda a criatura vem de Ti, e se para Ti voltar cumprirá o seu fim, por via da sua liberdade. Deixando-nos envolver no Teu Amor, tornamo-nos no que és. Assim, toda a criatura realiza a plenitude da sua existência na medida em que se divinizar. É um necessário inalcançável. Mas necessário.


E porque é necessário saber o que és? Porque para ser a Tua imagem e semelhança é preciso conhecer-Te. Recolhendo-nos profundamente, descobrimos que no fundo de nós não há um eu mas um tu. Enquanto houver interesse próprio distanciamo-nos daquilo que Tu és. Estamos em comunhão conTigo quando nos esquecemos de nós, do nosso próprio interesse. Aí, o centro está fora de nós. Somos Tua imagem e semelhança. Fazemos a experiência da Tua própria felicidade.